O Gótico tardio é a fase final do estilo, mas não foi uma fase de decadência. Ao contrário, a transição foi suave e gradual, e foi quando o Gótico produziu algumas de suas mais ricas e complexas obras.
Finalmente desapareceu não sem fertilizar de forma profunda a corrente
renascentista-maneirista. A fase se delimita aproximadamente entre
meados do século XV e meados do século XVI, e representa o corolário do
que havia sido conquistado na fase anterior no que diz respeito ao
naturalismo e internacionalismo. Mas há significativas diferenças na
sociedade européia do período, que podem contribuir para explicar a
transformação artística.,
a abertura de novas rotas comerciais em vista das grandes navegações
deslocou o eixo do com comércio internacional para as nações do oeste
europeu.Portugal e Espanha
erguiam-se como potências navais, acompanhados pela França, Inglaterrra e Países Baixos O ouro e outras riquezas das
colônias americanas, africanas e asiáticas afluíam para eles em uma
quantidade inaudita, sustentando a sua ascensão política e
possibilitando um verdadeiro surto de fomento às artes. Na política
as invasões da Itália pela França, Alemanha e Espanha levaram a uma
radical alteração no equilíbrio de forças do continente, culminando no Saque de Roma de 1527, que ocasionou a
fuga de muitos artistas e intelectuais italianos para outras paragens.
Esse fenômeno significou a divulgação em larga escala da tradição
clássico-renascentista italiana - visto que o Gótico italiano há muito
havia sido superado -, coroando a intensa circulação de obras de arte
italianas e textos clássicos já vinha acontecendo. Da mesma forma a imprensa de tipos móveis, recém inventada por Gutenberg, possibilitou a difusão da cultura em geral e
de textos humanistas em particular de uma forma muito mais eficiente,
ampla e rápida entre todos os países. Assim, diversos elementos
estéticos italianos se tornaram presentes na arte da maior parte dos
lugares onde o Gótico permanecia forte, originando uma multiplicidade de
correntes ecléticas que muitas vezes são descritas já como
parte doManeirismo internacional.
Outra tendência evidente do período foi o desenvolvimento de um gosto pelo complexo e pelo ultra-sofisticado, o que se nota de maneira marcante nos grandes retábulos
com várias cenas justapostas, que substituíram os antigos portais de
fachada como forma de ilustração didática da doutrina em um grande
painel narrativo. A própria estrutura dos retábulos, que emolduravam as
cenas em rebuscadas estruturas arquiteturais, muitas vezes lembrava uma
fachada de igreja. Da mesma forma que os portais, essas grandes
estruturas apresentavam um programa iconográfico claramente organizado,
ilustrando as hierarquias divinas que tinham um reflexo na Terra sob a
forma da Igreja instituída, com o Vigário de Cristo
como seu líder, mais seu corpo de ministros e seu rebanho de fiéis.
Tais retábulos eram usualmente oferecidos pela comunidade, e por isso
tinham um significado, além de doutrinal, social, pois serviam como
símbolos identitários daquela comunidade, e quanto mais ricos e
complexos, mais prestígio traziam para a cidade ou congregação. A maior
parte dos retábulos possuía painéis laterais dobráveis, e quando nas
grandes festas as abas eram abertas e o grande conjunto ficava livre
para visualização, o efeito teatral do desvelamento da obra assumia um
caráter de epifania sagrada e ao mesmo tempo de uma celebração profana
coletiva, já que não raro ao lado de Cristo, dos anjos e santos, eram
representadas figuras do povo e da hierarquia civil.
Finalmente, o Gótico encerrou seu ciclo com uma nota funesta - a crise iconoclasta desencadeada pela Reforma Protestante. Os reformistas,
além de terem posto um fim à unidade do Cristianismo, que até ali fora
um dos mais fortes elementos de coesão cultural da Europa, propuseram
novos conceitos religiosos que afetaram os modos representativos, na
verdade se inclinando para a condenação sumária da representação sacra e
desencadeando diversos episódios de destruição em massa de imagens
sagradas, que despojaram inúmeros templos convertidos ao Protestantismo
de inestimáveis tesouros artísticos. Uma testemunha escrevendo em 1566
em Gante
disse que ali as fogueiras que consumiam as imagens podiam ser vistas a
mais de 15 km de distância
Os países católicos não tiveram esse problema, pois o Concílio de Trento reafirmou a
importância da arte sacra, mas não puderam se furtar ao debate
internacional que se formou em torno do papel das imagens de culto,
conseguindo estabelecer um compromisso entre sua função devocional e
substitutiva da imagem divina, e seu caráter como obras de arte por
direito próprio. Embora Lutero tenha tentado manter uma
posição conciliadora, admitindo a possibilidade de se preservar certas
imagens como testemunhos da história santa, outros líderes reformistas
foram intransigentes. Essa destruição em larga escala da arte religiosa é
um dos fatores que levam o estudo desse período ser particularmente
difícil, mas por outro lado conduziu à formulação de uma nova teoria estética
que foi uma das bases para o conceito moderno de arte.
Segundo Belting,
-
- "Lutero, que simplesmente defendia a fundamentação da religião na vida, certamente foi mais uma testemunha do que a causa do que se chamou de 'o nascimento da idade moderna a partir do espírito da religião'. A religião, por mais que tenha se reafirmado combativamente, já não era mais a mesma. Ela lutou pelo espaço que ocupava até então, mas finalmente foi-lhe atribuído o lugar segregado na sociedade com o qual estamos acostumados agora. A arte foi alternativamente admitida nesse lugar ou excluída dele, mas deixou de ser um fenômeno religioso em si mesma. Dentro do reino da arte, as imagens simbolizavam as demandas novas e secularizadas da cultura e da experiência estética. Nesse sentido um conceito unificado de imagem foi descartado, mas a perda foi dissimulada pelo rótulo de 'arte', que hoje lhe é geralmente aplicado".
Escolas regionais
França
O Gótico dos dois primeiros períodos foi uma expressão artística essencialmente francesa, mesmo quando já aparecia em outros lugares, e já foi abordado em parágrafos acima, mas ainda resta informar sobre asduas fases finais. A partir de meados do século XIV, acompanhado a
tendência geral européia, a escultura monumental declinou, mas floresceu
a de menores dimensões. Da mesma forma a tendência ao naturalismo foi a
nota predominante. Na temática as estátuas devocionais se
multiplicaram, mostrando linhas de grande delicadeza e graça e um
caráter ornamental. As tumbas permaneceram mais ou menos similares às do
século XIII, salvo que agora traziam retratos mais acurados do morto,
onde se destacam as de Carlos V e seus dois sucessores
imediatos, realizadas por André Beauneveu. Carlos V inclusive foi um dos maiores
mecenas de sua época, tornando Paris um dos mais importantes centros de
escultura e atraindo artistas flamengos como Jean de Liége, no que foi secundado por seu irmão João, Duque de Berry, cuja corte
instalou-se alternativamente em Poitiers e Bouges,
servindo-se dos escultores Jean de Cambrai e do já citado Beauneveu, entre outros.
Sob Filipe II o ducado da Borgonha, que em sua época incluía Flandres, assumiu um lugar proeminente como centro cultural, contando com
diversos escultores flamengos notáveis como Claus luter e Jean de Marville. Depois da morte do duque o
prestígio da escola borgonhesa começou a declinar, mas no fim do século
XV merece lembrança Antoine le Moiturier,
tradicionalmente tido como autor da célebre Tumba de Philippe Pot.
Na mesma época os franco-flamengos foram os responsáveis por um certo
ressurgimento da decoração arquitetural, tendência que se prolongou até o
século XVI e deixou testemunhos importantes na Catedralde Rouen e na Catedral de Amiens, incluindo peças de fachada e relevos
nos interiores. Também no século XV surgiu no vale do Loire um prolífico movimento conhecido como Détente,
resgatando o antigo idealismo do século XIII temperado com alguns
elementos do Renascimento italiano que começava a se fazer notar. Seus
temas eram os tipos populares e por isso fez grande sucesso entre as
classes mais baixas, mas também cultivou o sacro, especialmente as Madonnas
e grupos do Santo Sepulcro. Pelo fim do século XV o movimento
influenciava toda produção escultórica da França, e entre seus expoentes
estavam Michael Colombe e Jacques Bachot.
Alemanha e Europa central
Na Alemanha o Gótico apareceu por volta de 1220, e foi recebido através de escultores treinados na França, e apesar de a escultura ser bastante empregada em fachadas, elas em geral são menos ricas que seusmodelos franceses, mas a influência franca sempre permaneceu forte. Por
outro lado o naturalismo foi desde logo mais enfatizado, possivelmente
pela permanência de mais elementos clássicos em sua tradição,
preservados pela Renascença Carolígia do século VIII e
por contatos com o Império Bizantino, Manuscritos Iluminados
conservados desde a Antiguidade tardia em mosteiros
e coleções eclesiásticas também podem ter sido uma influência ao
apresentarem modelos classicistas para os escultores. Na Catedral de Bamberg, do século XIII, existem estátuas
que já podem ser considerados verdadeiros retratos, como o célebre Cavaleiro
de Bamberg, e o mesmo na Catedral de Naumburg, com várias figuras muito
vivazes. Igualmente é mais nítida, a partir do fim do século, uma
tendência à intensificação dramática e à humanização dos temas sacros,
como se observa na proliferação de cenas como a Dança da Morte,
as Sete Dores de Maria, e o Cristo como o Homem das Dores.
Também se formula ali tipologia da Pieá,
destinada à devoção privada. Os melhores exemplos monumentais alemães
se encontram nas catedrais de Strasbourg (franco-alemã), Freiberg,Bamberg, Magdeburg e Nausumburg.
Ao longo do Gótico internacional se dissolveram quaisquer diferenças regionais, e o estilo tendeu a se homogeneizar, mas o nível geral de qualidade sofreu uma nivelação mediana. Também na caracterização dos
personagens se nota uma padronização, fixando-se estereótipos
convencionais que já não possuem a individualidade da fase anterior.
Nessa fase o Gótico alemão só difere do francês na escolha de traços
étnicos locais no desenho dos personagens. Entretanto, essa mesma
escolha que de início se mostrou apenas circunstancial, superficial,
mais tarde deu origem a uma arte com características nacionais
inconfundíveis. Mas ao contrário da França, que começava a abandonar a
escultura monumental, esse gênero continuou a ser bastante praticado,
havendo muitas igrejas em diversas cidades, como Xanten, Colônia, Erfurt, Worms, Ulm,Augsburg, Wurzburg, Nurnberg, entre tantas, que possuem bons
exemplos. Mas de todos os gêneros os mais importantes nessa fase foram
as pequenas peças de devoção privada, principalmente as Madonnas,
e as tumbas, cujas efígies ainda mostram traços bastante individuais.
Chegando-se ao Gótico tardio, as influências clássico-maneirista
italiana e a flamenga se tornaram mais significativas, mas as tendências
tipicamente germânicas se afirmaram poderosamente, formulando um
realismo muitas vezes brutal e dramático, que se vale não de uma
descrição anatômica exata, e sim da movimentação extravagante dos
corpos, do acúmulo de personagens que muitas vezes se comprimem em
espaço exíguo, das convolutas dobraduras das vestimentas que adquirem
valor por si próprias sem levar em conta os volumes corpóreos
subjacentes, e da decoração acessória superabundante, que em certos
momentos se torna exaustiva em seu minucioso detalhamento. A escola da Suábia
em particular celebrizou-se por alcançar uma intensidade patética
em suas peças devocionais. O caráter geral dessa produção, porém, apesar
de seu óbvio virtuosismo, é burguês, pois os tipos humanos são
populares, sem idealismo, e o gosto pelo exagerado, pelo pitoresco e
pelo expressivo às vezes aproxima as peças da caricatura.
Mas em muitos casos o abandono ao emocional conseguiu resultados de
fato grandiloquentes, e os grandes retábulos que se criaram nessa fase
derradeira são obras de grande impacto visual e exímia artesania. Entre
os muitos mestres que se notabilizaram nesse período, trabalhando em
várias regiões alemãs, pode-se destacar Tilman Riemenschneider, Michael Parcher, Bernt Notke,Veit Stoss e Adam Kraft. A escola gótica alemã foi, logo depois da francesa, a mais
importante para a irradiação do estilo para o resto da Europa. Muitos de
seus artistas viajaram extensamente pelo continente, deixando obras na Polônia, República Tcheca. Inglaterra, Suécia, Dinamarca
e outros lugares.
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