O mundo digital e o livro
O jornalista inglês Chris Anderson, 49 anos, editor-chefe da revista “Wired”, ficou famoso em 2006 com o livro “The long tail”, no qual explicava a economia digital a partir do estudo de casos como o da Amazon.com, que transformou-se de uma livraria virtual em um grande supermercado de produtos os mais variados, uma espécie de entreposto gigantesco de comercio na internet. Agora, porem, Anderson dá um passo além na análise da economia digital, com uma tese ousada. Ele está lancando o livro “Free” para provar que o futuro dos negócios na internet tem um “preço radical”: a oferta gratuita de produtos e serviços. Anderson acredita que a rede habituou novas gerações de consumidores a terem acesso gratuito a informações e que o Google é a empresa modelo dos novos tempos do capitalismo: oferta de serviços gratuitos para milhões de usuários online e lucros vindos da cobrança de anúncios que aparecem nas buscas feitas por internautas. O livro menciona o Brasil e a China como grandes laboratórios da economia gratuita em mercados emergentes. Nesta entrevista exclusiva, Anderson explica sua visão do presente e do futuro da economia digital.Não é uma contradição para alguém que fez do trabalho da internet uma profissão defender a idéia de que empresas e profissionais deveriam oferecer serviços e produtos gratuitos para aumentar os lucros?
CHRIS ANDERSON: Sim, é um paradoxo, temos a impressão de que oferecer algo de graça é algo que se opõe ao lucro. Todos fazem a pergunta: quem vai pagar a conta? Mas o Google é um caso exemplar da economia do gratuito e não pesa na conta do seu cartão de crédito… Muitos alegam que o Google perde muito dinheiro com o YouTube, mas ninguém repara que graças ao YouTube o Google tem hoje uma audiência mundial para mensagens de texto e de video. E até quando o público de TV tradicional migrar definitivamente para a internet, o YouTube vai estar pronto para ele. O mercado sonha com o que é gratuito: consumidores livres, num mercado livre, querem produtos e serviços gratuitos.O senhor também menciona o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, que lançou seu CD pela internet, e o escritor Paulo Coelho, que pirateou seus próprios livros. Mas há enorme diferença entre um artista de palco e um escritor…CHRIS ANDERSON: O caso de Gilberto Gil mostra que um artista que foi ministro tem uma compreensão muito aguda das transformações que estão ocorrendo agora no mercado. E que o governo brasileiro também está atento, como também revela o programa de medicamentos gratuitos para portadores de HIV, criado por Fernando Henrique Cardoso e levado adiante no governo Lula. O Brasil tornou-se um dos maiores mercados mundiais de mediamentos genericos, o que também revela a força da economia do gratuito.No caso da indústria farmacêutica, houve intervenção do Estado, mas no caso da indústria cultural as mudanças atuais são regidas apenas pelo mercado. Por isto, vale a pergunta: será que o sucesso editorial de Paulo Coelho pode servir de exemplo para outros escritores? Não se trata exatamente do oposto, de um caso excepcional?CHRIS ANDERSON: Bem, certamente não. Paulo Coelho tem livros que venderam 100 milhões de exemplares, como “O Alquimista”. Mas o fato de que ele inventou um site chamado “Pirate Coelho” para piratear seus próprios livros e permitir o download gratuito de suas histórias mostra que ele é um autor que soube perceber que a internet não iria nibir e sim impulsionar a venda de seus livros. Coelho enfrentou a editora HarperCollins e causou a polemica que levou à explosão do sucesso editorial de seus livros. Foi uma excelente estratégia de marketing.[/size]E como vão sobreviver autores de livros que não tiverem o sucesso editorial de Paulo Coelho se a internet tornar os livros disponíveis gratuitamente online? Como poderia sobreviver um filósofo, por exemplo?CHRIS ANDERSON: Bem, existem várias espécies de escritores da internet. Os filósofos vão precisar da Academia para sobreviver… Muitos filósofos disponibilizam seus escritos na internet e ganham a vida participando de palestras ou dando aulas… No caso dos jornalistas vai ser um pouco mais complicado…Qual o futuro do jornalismo? O senhor lê algum jornal diário? O San Francisco Chronicle está numa situação delicada e pode desaparecer…CHRIS ANDERSON: Eu não iria sentir falta do San Francisco Chronicle… Aliás, eu sequer saberia o que estaria perdendo… Leio notícia pelo twitter. Não preciso procurar as notícias em jornais ou em sites. As notícias chegam até mim e elas não são produzidas apenas por jornalistas. Muita gente que não é jornalista escreve ótimas histórias na internet e as publica gratuitamente pelo twitter…Mas o senhor considera que notícia, media e jornalismo são coisas do século passado?CHRIS ANDERSON: Não! Eu tenho de fato problemas com as palavras “notícia”, “media” ou “jornalismo”. Porque acho que se usarmos essas palavras apenas no seu contexto commercial estaremos limitando a nossa compreensão do novo cenário tecnológico em que a informação se produz. Nós precisamos de novas palavras para definir o que está acontecendo hoje. Aquilo que chamamos de “social media”, que se compõe de milhares de blogs, sites, twitters, produz também informação e a entrega de forma gratuita para os usuários da internet…Mas isto quer dizer que o jornalismo profissional está em vias de extinção? Que as empresas de comunicação vão desaparecer?CHRIS ANDERSON: As empresas de comunicação e os profissionais de jornalismo deverão repensar seus negócios e suas atividades. O problema é que a “social media” distribui informações na mesma plataforma que é usada pelas empresas de comunicação. Hoje, muitas das informações que eu leio, que eu ouço e que eu vejo em vídeos na internet não são produzidas por empresas comerciais. Então há uma concorrência na produção de conteúdos com a qual os jornalistas e as empresas não contavam. E ambos terão que ajustar-se aos novos tempos.Isto significa o desaparecimento da profissão de jornalista ou da media como negócio?CHRIS ANDERSON: De jeito nenhum. Isto significa que as empresas terão que repensar seus modelos de negócio para torná-los comercialmente viáveis. E os jornalistas vão ter que oferecer aos leitores algo que os amadores e os diletantes da internet não oferecem… As empresas de comunicação não têm mais o monopólio do acesso à informação e esta é uma grande mudança. Isto vale para jornais, TVs, radios, produtoras de cinema, gravadoras… Vale enfim para toda a indústria de produção cultural.E quanto à qualidade? A demanda por um jornalismo de qualidade na internet tem aumentado e a media tem hoje uma grande audiência online, sem contar os indices de circulação de jornais, que têm aumentado em países como o Brasil ou estão estáveis, em países como os EUA. O fato é que não existe redução de audiência, o que existe é uma crise do lado dos anunciantes… Andrew Keen alerta que a internet está distribuindo muita informação de má qualidade e que a troca de profissionais por amadores sacrifica a qualidade da informação, que não tem mais credibilidade…CHRIS ANDERSON: Não acredito que amadores possam substituir profissionais. Mas acho que temos que repensar o que é qualidade jornalística. Certamente credibilidade é um ingrediente da qualidade da informação, mas o ingrediente mais precioso hoje é a relevância. O quão relevante é a informação que um site, um blog ou um twitter distribui? Os profissionais de jornalismo terão que apresentar seus diferenciais para terem audiência, em qualquer que seja o meio que trabalhe. E esses diferenciais são: a relevância da informação que produzem, o acesso às pessoas, o talento na escrita e o tempo investido na coleta de dados. É evidente que o jornalismo investigativo, aquele que existe grande investimento de tempo e de dinheiro, continua a ser essencial, continua a ter um grande público. As pessoas querem pagar por aquilo que é relevante, pelo que é exclusivo, pelo que elas amam, pelo que dá status e pelo que economiza tempo. Isto não mudou.Neste modelo da economia gratuita, existe lugar para o cinema? Como vão sobreviver atores, escritores, diretores? Só o teatro tem futuro, já que só a presença dos artista justifica um pagamento?CHRIS ANDERSON: O cinema está numa situação tão difícil quanto a do jornalismo. Mas não vejo por enquanto nenhuma crise em Hollywood. Como vai ser o futuro? O sucesso do Netflix, o aluguel de DVDs com pagamento de uma assinatura mensal, aponta para um modelo baseado no interesse dos espectadores. Mas existe outro modelo que é a exibição de filmes pela TV, com o apoio de anunciantes. Os grandes produtores tendem a viabilizar seus filmes fazendo acordo com as emissoras de TV. É verdade que a produção independente vai ter dificuldade em fazer estes acordos, mas seus custos são também muito menores. Tudo isto é questão de tempo, de ajuste entre a produção e a demanda. A tendência é que o cinema independente trabalhe para atender uma audiência de nicho. Também as TVs vão ter que se adaptar: as TVs abertas já atuam num modelo gratuito, sustentado pelos anunciantes, mas vão enfrentar concorrência crescente num mundo em que as imagens de TV serão distribuídas pea internet…Mas é bom lembrar também que o acesso à internet não é gratuito e que a economia do gratuito digital se sustenta nas costas do poder crescente dos provedores. Nos EUA produtores de conteúdo para a TV viraram provedores de internet, como foi o caso da Warner. No caso recente do Irã, quando houve censura do acesso ao twitter pela internet porque o governo exigiu o corte do acesso pelos provedores isto ficou bem claro… O senhor acredita que os provedores são as novas corporações a controlar o acesso à informação? A cultura do gratuito depende do acesso a computadores, o que grande parted a população mundial ainda não tem…CHRIS ANDERSON: Não acredito que os provedores virem corporações capazes de controlar o acesso. É bom lembrar que telefones celulares também permitem acesso à internet. Quando se fala de inclusão digital, o tema é bastante complexo. Existem várias plataformas de acesso à rede e em muitas cidades as prefeituras estão abrindo áreas de acesso livre e gratuito… A questão da censura no Irã, como na China, é uma questão política.Qual o efeito da crise econômica atual sobre a economia do gratuito, que no seu livro se chama “Freeconomics”?CHRIS ANDERSON: Em tempos de recessão o gratuito é ainda mais atraente, tem um poder de marketing ainda maior. Afinal de contas, se você está sem dinheiro, o melhor preço é zero, não?O senhor acredita que o custo da educação tende a ser zero. Como os professores vão se sustentar?CHRIS ANDERSON: A oferta de educação gratuita na internet tende a aumentar de forma exponencial. Berkeley, Stanford e MIT são centros universitários americanos que já oferecem aulas de graça pelo YouTube. Já existem milhares cursos livres na internet… E o acesso à internet é hoje parte de qualquer escola e da vida de qualquer aluno… Além disto, os livros escolares serão oferecidos livremente pela internet, inclusive com imagens de video para atrair o interesse dos alunos… Como os professores vão se sustentar? Tirando as dúvidas dos alunos, o que sé poderá ser feito no contato direto entre o professor e o aluno. Neste caso, sim, haverá interesse em pagar pelo tempo do professor.
Fonte: O Globohttp://ebooksgratis.com.br/page/3/
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