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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Bibliografia Estrangeira sobre lobisomens





Em La Genèse des Mythes, Alexandre Krapper (Paris, 1915) escreve:

"Diz uma lenda búlgara que o Diabo faz o corpo do lobo, mas não consegue animá-lo. É preciso que Deus o faça:

Na Escandinávia, o deus Tir tem sua mão direita arrancada pelo lobo Fenrir.

O lobo é comumente obra do espírito das trevas."

Não obstante, cultos endeusaram o animal desde tempos muito antigos. A figura do lobo, como se sabe, esteve sempre presente tanto na mitologia clássica como na folclórica. Nesta, emprestou seu nome e seu aspecto ao Lobisomem.

Ele chegou até aqui vindo da Europa, na época da colonização. Tem-se notícia de sua existência já em era muito remota e o mundo todo o conhece, com variações.

O Lobisomem apresenta-se - no contexto da cultura erudita - na tradição clássica da Grécia, de onde se transportou para Roma.

Na Grécia, o rei Licaon tentou matar Zeus. Em outra lenda, Licaon fez um sacrifício humano e a ira divina recaiu sobre ele. Ou Licaon serviu a Zeus carne humana. Ou ainda Licaon sacrificou ao deus o seu próprio filho. Em todas essas lendas, o final é o mesmo. O rei foi transformado para sempre em lobo, como castigo.. Mas se não se alimentasse de carne humana por dez anos, recuperaria o aspecto de homem.

É curioso notar, entretanto, que mesmo antes de tornar-se lobo, o rei já lhe portava o nome: Licus, Luko.

Na mitologia pré-helênica, para alguns, já teria havido um ZeusLicaeus; a mais antiga crença local. Outros indicam a evocação desse deus como sendo posterior à pena sofrida por Licaon. O ZeusLicaeus era o deus da luz (luke) e pode, também, ter havido confusão entre esse vocábulo e luko, lobo.

Também não seria despropositado supor-se a existência de um rito com oferendas ao deus-lobo, a fim de que ele poupasse os rebanhos e que esse culto se realizasse com os sacerdotes vestidos com a pele do animal-deus.

Em Roma, sempre houve veneração pelo lobo. Rômulo, o fundador da cidade e seu irmão gêmeo, Remo, abandonados ao nascer, foram amamentados por uma loba antes de serem recolhidos por Fáustolo e sua mulher Acca Laurentia. A loba de Roma, a deusa Luperca, era homenageada com festas denominadas Lupercais (festas do lobo), que, no ano 494 depois de Cristo, tiveram o nome mudado para Festa da Purificação.

No século I, na Roma de Nero, Tito Petrônio Arbiter escreve o Satíricon. No capítulo LXII, Niceros, no banquete de Trimalcion, relata a estória do soldado que se transforma em lobo.

Este é o mais antigo registro existente, em literatura erudita, da Estória do Lobisomem. Nessa estória, traduzida para o francês por M. Héguin de Guerle, Niceros narra a sua saída com um soldado, seu companheiro; em certa noite de Lua, tão clara como se fosse o meio-dia. Puseram-se a caminho ao primeiro canto do galo. Ao fim de uma estrada encontraram-se entre sepulturas. Subitaments, começou o soldado a conjurar os astros. Depois, despiu-se e colocou as roupas junto à estrada. Em seguida, urinou à volta delas e, nesse instante, transformou-se em lobo. Pôs-se então a uivar e embrenhou-se na mata. As suas vestes tornaram-se em pedras. Niceros, apavorado, saiu correndo e chegou à casa de Melisse. Esta, espantada por vê-lo ali a desoras, disse-lhe que, se tivesse chegado um pouco mais cedo, teria sido de grande valia; pois um lobo penetrara no curral e degolara todos os carneiros. Uma verdadeira carnificina! Mas, embora tivesse escapado, fora gravemente ferido no pescoço, por um criado. Intrigado e horrorizado, e como o dia já vinha clareando, voltou rapidamente pelo mesmo caminho. Ao passar pelo lugar onde as roupas haviam-se transformado em pedra, verificou que ali só restava sangue. Entrando no alojamento, encontrou o soldado estendido na cama; sangrava abundantemente e um médico o atendia, tentando estancar a hemorragia do pescoço. Foi então que percebeu tratar-se de um Lobisomem.

Nos primórdios da era cristã, tanto Ovídio como Petrônio registraram que o Lobisomem era fruto de penitência, de castigo, ou era uma transformação voluntária e temporária, como acontecera ao soldado da estória. Também em transformação voluntária fala o poeta clássico da antigüidade, Virgílio, nas Bucólicas, em tradução de Manuel Odorico Mendes.

"Meris estes venenos e estas ervas
Com eles Meris vi, tornado em lobo."

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E ainda nas Éclogas, em versão de José Pedro Soares - Lisboa, 1800./
Meris me deu as ervas que sahia Os venenos de que Ponto abundava; Com eles ele lobo se fazia,
Nos matos, invisível se ocultava".

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Os romanos, povo conquistador, divulgaram largamente o mito do Lobisomem pelas terras conquistadas. Para eles, o homem transformado em animal era Versipélio. Para os gregos, Liçantropo. É o Valkodlák dos eslavos, o Werewolf dos saxões, o Wahrwolf dos germanos, o Óbaroten dos soviéticos, o Hamrammr dos nórdicos, o Loupgarou dos franceses, o Lupo-mannaro dos italianos; o Luisán ou Lobisón dos Paraguaios, o Lobisome ou Lobizón dos argentinos, o Lobisomem da Península Ibérica e da América Central e do Sul com suas modificações para Lubizon, Lubisome, Lobisomi, Labisomi, Lambisome, Lubisono, Lobo-homem, Lobisa, Porcalhão.

Licantropia é o "estado de alienação em que o doente se imagina transformado em lobo. Licomania.' (Dicionário de Termos Médicos - Dr. Pedro Alves Pinto). Por extensão, esse vocábulo designa, também, a mutação do homem em animal por meio de ritos, invocações ou poderes mágìcos, ou, ainda, como conseqüência de maldição.

O historiador Heródoto acreditava que povos do leste da Europa, onde se situa a Romênia, possuíam a faculdade de se transformar em lobo, durante alguns dias do ano. Retornavam depois à forma humana. Esses povos, denominados Neuros, durante o culto ao deus-lobo, atacavam traiçoeiramente pessoas desprevenidas, com fins de antropofagia e também bebiam sangue humano.

Nos bosques da Itália Central primitiva, sacerdotes do Sorano (um dos nomes de Plutão, rei dos infernos) do povo Sabino, que habitava essa regíão, entregavam-se ao seu culto envolvidos em peles de lobo, o animal do deus.

Lupo-mannara, o Lobisomem da Itália, ataca e devora pessoas,especialmente crianças.

No folclore lapão, se um homem comete um crime de morte e não se confessa culpado, pode ver-se transformado em lobo, por artes do Diabo. Lá se acredita também que é impossível matar um lobo com uma bala comum, a menos que houvesse permanecido no bolso de alguém que tivesse assistido à missa por dois domingos seguidos.

Certas tribos africanas são tidas como praticantes da mutação com complicadas iniciações secretas, e seus membros reproduzem o comportamento do tigre e do leopardo, mascarados com peles desses animais.

Na ilha Sumatra (Indonésia) os homens de uma tribo afirmam possuir a faculdade de se transformar em tigre. Por toda a Ásia, membros de determinadas Associações confessam abertamente que retêm o poder de metamorfose, com regressão ao estado anterior.

No folclore soviético, as alcatéias de lobos famintos que uivam, nas noites de inverno rigoroso, são Lobisomens cumprindo o seu fadário, após o que, um dia, voltarão ao convívio dos homens.

Na China, os Lobisomens, depois de mortos, conservam a forma do animal. Lá existe ainda o Lobisomem fêmea. A mãe de um general, acredita-se, transformou-se em loba aos setenta anos de idade.

No folclore chinês aparece também a estória de um camponês que se viu atacado ferozmente por um lobo. Para livrar-se, subiu em uma árvore. O animal, no entanto, dava-lhe botes e com isso rasgava-Ihe a calça. O homem, para se defender, deu-lhe uma machadada na cabeça. No dia seguinte, verificou que um seu conhecido estava ferido na cabeça, e tinha, nos dentes, fiapos do tecido de sua roupa.

O Lobisomem feminino é encontrado na África, na forma de hiena ou pantera e é uma penitência que a mulher que cometeu pecado mortal deve cumprir por sete anos. Na Armênia, uma pele de lobo cai sobre ela, que à noite devora os próprios filhos, os filhos de seus parentes mais chegados e outras crianças, retomando, ao amanhecer, a forma humana.

No folclore irlandês, "o fato do homem e da mulher transformarem-se em lobos a cada sete anos é por demais conhecido..." Lá, a fêmea do Lobisomem é chamada Conoel.

Encontra-se o Lobisomem fêmea também na Bretanha. Uma mulher saiu à noite e logo após, uma grande gata entrou em sua casa. O marido machucou-a, ao tentar espantá-la com um pedaço de lenha. Passados três dias a esposa retornou, com um corte em uma das mãos.

Segundo Sébillot, acreditava-se, na Bretanha de 1832, que os Lobisomens fossem homens transformados em lobo por estarem há dez anos afastados do confessionário. Outras vezes o castigo era atribuido ao fato da pessoa não ter mergulhado os dedos numa pia de água-benta pelo espaço de sete anos. Em 1870, dizia-se, na Baixa-Bretanha, que os Lobisomens vestiam-se com uma pele de lobo e então absorviam sua personalidade, correndo pelos campos e bosques, atacando pessoas e animais. Ao clarear o dia, escondiam sigilosamente essa pele e voltavam para casa. Havia uma grande afinidade entre a pele e o seu próprio corpo, de tal forma que, certa vez, um homem, que a escondera dentro do forno de sua casa, pôs-se a gritar que estava sendo queimado, quando a esposa acendeu o forno. Ainda em região da Bretanha, crê-se que para os homens se transformarem em animal basta que se untem com uma pomada fornecida pelo Diabo. Dessa forma transformam-se não só em lobos, mas ainda em vacas ou gatos.

Em sua Histoire de la Magique en France (História da Mágica na França), Garinet narra acontecimentos de 1573; quando Gilles Garnier foi a julgamento - acusado de ter devorado várias crianças ao se transformar em Lobisomem. Condenado, foi arrastado ao local da execução e queimado vivo.

Esse homem viu-se, um dia, a braços com problemas e, com o intuito de se acalmar, embrenhou-se na floresta. La encontrou um fantasma com forma humana que lhe propôs fazê-lo transformar-se em lobo ou qualquer outro animal. Escolheu a forma de lobo e conseguiu a metamorfose esfregando-se com um ungüento especial, como confessou durante o julgamento.

Outro caso deu-se com um menino de treze ou catorze anos, que confessou só não ter devorado sua amiga pastorinha Margarida, porque esta conseguira defender-se valenternente com um pau. Mas declarou já ter devorado algumas crianças, quando transformada em lobo. Ao lhe perguntarem por que artes conseguia essa transformação, relatou que um seu vizinho o apresentara ao Senhor da Floresta, que Ihe dera um ungüento para se esfregar e que esse ungüento ficava sob a guarda do Senhor, mas que ele podia usá-lo quantas vezes o desejasse, Este menino, Jean Grenier, foi declarado pelos juízes portador de licantropia e, por esse motivo, escapou à morte, sendo condenado à prisão perpétua.

Crê-se também que a metamorfose possa acontecer ao ingerir-se uma beberagem oferecida pelo Diabo. E se os Lobisomens não se recordarem do lugar ande deixaram a garrafa com a bebida, serão lobos para sempre.

Existe ainda a crença de que é preciso possuir duas garrafas: a primeira com a bebida para a metamorfose e a segunda para o retorno à forma humana.

Uma outra maneira de se obter a transformação na França, Inglaterra, URSS e certas regiões da Europa, é bater a parte baixa das costas repetidamente em porta de igreja, recitando uma fórmula mágica. Ou então utilizar um cinto confeccionado com a pele do animal.

no qual o indivíduo deseja transformar-se; ou cobrir-se com essa pele; beber água acumulada no seu rastro; comer alimentos abandonados pelo animal; comer carne na sexta-feira santa; partilhar o covil ou a ração de um lobo; untar-se com ungüento feito com um dos seguintes ingredientes: gordura de lobo, folhas de meimendro, de beladona, de papoula, de eleboro, de cânhamo ou de datura.

Para cessar o encantamento, retirar o cinto mágico; ficar cem anos de joelhos no local; ser publicamente acusado de Lobisomem; ser saudado com o sinal da cruz; ser chamado pelo nome de batismo; ser ferido, de forma a perder sangue; ao percorrer sete cidades, entre um local e outro mergulhar na água, ou espojar-se no orvalho.

Proteção contra o Lobisomem é participar-se, anualmente, de fogueira em festa de S. João. Há ainda um sem número de fórmulas mágicas a serem recitadas; com a mesma finalidade.

Em 1598, uma criança foi devorada, nos arredores de Angers. Caçadores depararam-se com uma criatura selvagem, não muito distante do cadáver. Esse selvagem confessou-lhes haver devorado a criança, juntamente com seu pai e seu primo, ambos Lobisomens, como ele. Condenado à morte, apelou, sendo declarado, então, mais louco do que criminoso e mandado para o hospital Saint-Germain-des-Pres.

Van Gennep, citado por Daniel Bernard, escreve que em Auvergne, o Lobisomem é um mortal que se levanta à noite e, coberto com uma pele de animal selvagem, corre loucamente, sobre pés e mãos, atravessando os campos. É invulnerável a balas. Se consegue devorar o primeiro animal que encontra no seu caminho, tornase inofensivo; do contrário, devasta tudo por onde passa e mata até crianças. Sua esposa, que esta a par dessa possessão, prepara-lhe uma pasta semelhante à dos parcos, que engole na volta, ao clarear o dia. Na manhã seguinte retoma suas ocupações habituais e nada trái sua infelicidade, a não ser a extraodrinária rugosidade das mãos. Se for ferido e sangrar durante a corrida da noite, cura-se; mas infeliz do amigo que lhe prsetar tal serviço: o Lobisomem será obrigado a fazê-lo em pedaços.

Os párocos possuíam o poder de transformar um criminoso, que não confessasse o seu crime, em Lobisomem. No primeiro domingo, advertiam o culpado; no segundo, se ele não se acusasse, era avisado do que lhe aconteceria no domingo seguinte; e neste, ficava ciente de que, após o terceiro aviso, a sentença seria pronunciada; sentença horripilante. Mulheres nervosas deveriam abster-se de assistir a tal cerimônia. Do alta do púlpito, o sacerdote lia a fórmula aterradora. Apagava então a chama do círio e gritava: Que a alma do culpado se apague como esta luz!

O criminoso transformava-se imediatamente em animal e começava sua corrida, que se prolongaria por sete anos, através de sete paróquias. Não podia, também, desvendar seu terrível segredo, sob pena de ser amaldiçoado por mais sete anos.

Em 1521, Pierre Burgot e Michel Verdung enfrentaram o juiz Bodin; demonólogo e inquisitor de feiticeiros. Confessaram haverem-se acasalado com fêmeas de lobo. Burgot teria assassinado um jovem, com patadas e dentadas de lobo; Michel teria matado uma jovem e, ambos, finalmente, declararam havèr devorado quatro moças. Foram condenados à fogueira, sem produção de outras provas.

Na Bretanha existem também os amestradores de lobos. Eles, quando assim o desejam, tomam uma bebida oferecida pelo Diabo e transformam-se em lobo. Têm grande domínio sobre esses animais. Quando metamorfoseados e feridos, assim que o sangue corre, voltam à forma humana. Sobre eles existe este relato:

Um homem perdido na floresta chegou a uma encruzilhada, onde encontrou um amestrador de lobos, com alguns à sua volta. Recebeu dois dos animais como guias e guardas e eles o conduzram fielmente até a casa, são e salvo. Mas teve que observar uma recomendação: não cair durante a caminhada è dar aos lobos, assim que chegasse, pão e galette de blé noir (bolo folheado, escuro, feito de grãos de centeio ).

A autora1 encontrou, em transcrição, uma narrativa de Alain Decaux intitulada La Bête de Gévaudan, a qual traduz livremente de forma abreviada.

A Fera de Gévaudan

O Gévaudan é a atual província de Lozère, abrangendo, também, uma parte do Alto-Loire. É uma região áspera, dura, de beleza selvagem. Situa-se entre gargantas de montanhas e montes calcários, pedregosos.

Sua principal riqueza é a pecuária e seus rebanhos de vacas, carneiros, cabras, cavalos e burros precisam pastar nos flancos dessas montanhas, pastoreados por crianças de seis a quinze anos, e por velhos.

Tudo começou na primavera de 1764, há mais de dois séculos, portanto. Mas o fato ainda é lembrado e comentado, nos nossos dias.

Através de documentos da época, Alain Decaux rememora os acontecimentos.

"Uma Fera monstruosa semeia o pavor e o desespero na região, atacando e matando sem cessar, especialmente crianças, adolescentes e mulheres.

A primeira vítima foi uma menina de catorze anos, Jeanne Foulet. Dentro de pouco tempo, mais adolescentes. Em seguida, uma mulher de trinta e seis anos, que cuidava do seu jardim, em frente a casa. Enfrentando o povo, calma, ousada, sem pressa, a Fera abocanhou-Ihe o pescoço, bebeu-lhe o sangue e, em seguida, devorou-a.

A Igreja declarou-a fruto da cólera divina, por pecados cometidos pelo povo: O pavor tomou conta de todos.

Os registros da época referem-se a animal desconhecido. De fato, os que o viram afirmaram categoricamente que não era um lobo. Lobos, eles os conheciam bem. As descrições apresentaram-no com esta aparência:

Tem o porte de um vitelo de um ano os olhos grandes como ele; é baixo na parte da frente e as patas são providas de garras; a cabeça é grande, terminando em focinho alongado; as orelhas são menores do que as de um lobo e espetadas, como chifres; o peitoral é largo e recoberto de pêlos acinzentados; os flancos são avermelhados; acompanhando a espinha, uma listra negra. Mas o que mais impressionava a todos era a sua goela, uma bocarra imensa e provida de afiadíssimas presas, capazes de decepar as cabeças das vítimas como uma navalha. Goela horrenda.

Descreviam-no ainda como tendo andar lento e correndo aos pulos, em velocidade inacreditável. Era visto ora num lugar e ora noutro, a distância que nenhum animal poderia percorrer dentro daquele espaço de tempo. Alguns concordavam que ele pudesse ser semelhante ao lobo; mas eram todos categóricos ao afirmar que não era, em absoluto, um lobo, mas uma fera jamais vista antes.

O número de vítimas aumentava assustadoramente. A população entrou em pânico.

Vieram para o local os Dragões - força armada, comandada pelo capitão Dúhamel: 57 homens, sendo 17 à cavalo. O capitão defrontou-se com a Fera. Atirou, feriu-a. Ela fugiu, mas ele teve tempo de vê-la bem. Declarou que deveria tratar-se de um produto híbrido, cujo pai seria um leão. Mas quem seria a mãe? Um mês se passou e ela não foi abatida. Retiraram-se os Dragões.

O Rei ofereceu alta recompensa a quem a capturasse ou matasse.

Na região, corriam notícias de que se tratava de um Lobisomem, pois uma mulher chegara à cidade, espavorida, relatando que, na estrada, ao ser ajudada a montar, por um desconhecido, observara-lhe as mãos e estas eram inteiramente recobertas de grossos pêlos.

Empreenderam marchas e emboscadas e seguiram os rastros da Fera. O resultado foi nulo. Parece que ela adivinhava a presença deles e desaparecia. Mas continuava fazendo vítimas, sem cessar, simultaneamente em lugares os mais distantes, parecendo ter o dom da ubiqüidade.

Um jovem fidalgo, avistando-a da janela do seu castelo, armou-se e, acompanhado de dois irmãos, partiu ao seu encalço. Defrontaram-se. A Fera não aparentava medo; pelo contrário, parecia atrevida, ousada. Foi, desta vez, ferida no pescoço e no peito. O sangue jorrou em abundância. Os três irmãos declararam que, embora tivesse fugido, não sobreviveria. Dois dias depois, entretanto, continuava a atacar e matar.

O lugar-tenente dos caçadores do Rei, senhor François-Antoine, veio para o local. A área onde a Fera corria era extensa e de matas fechadas. Mas um dia, afinal, Antoine, como ficou conhecido, encontrou as pegadas de uma loba e seus filhotes, que lhe pareceram enormes, e profundas, devido ao peso dos animais. E de repente, avistou o animal que, não tinha dúvidas, era a Fera!

Monstruosa, patas curtas, corpo muito comprido, goela assustadora, avançou para ele. Antoine estava sentado. Mirou, atirou. A bala atingiu o olho direito da Fera, atravessou a cabeça e fraturou-lhe a base do crânio. Que animal resistiria a isso? Ela caiu. Morta? Não. Levantou-se e avançou novamente. Mais um tiro e ela tombou. Desta vez, sim, morta.

Aproximou-se. Parecia um lobo. Mas um lobo como jamais alguém havia visto. Medonho, gigantesco, com flancos avermelhados e aquela listra negra no lombo. Foi, por centenas de testemunhas, reconhecido como a Fera.

Alívio geral. Empalharam-na e remeteram-na para a Corte, como prova da façanha. Pesou 65 quilos e mediu 1,43 m. do focinho às patas traseiras e 1,90 m. até a ponta da cauda.

Antoine foi condecorado e agraciado com uma pensão. Alguns dias mais tarde seguiu os rastros da fêmea. e matou-a, assim como aos filhotes. Parecia o fim do pesadelo, afinal.

Passados, entretanto, menos de dois meses, o horror recomeçou. A Fera lá estava de novo, atacando e matando.

Desesperado, o povo organizou uma romaria a Nossa Senhora D'Estours. Entre os peregrinos encontrava-se um cidadão maduro, porém sadio, vigoroso. Era Jean Chastel. Na chegada, entregou seu fuzil para benzer, juntamente com três balas.

O extraordinário é que exatamente nesse momento Jean Chastel terminara de ler as Litanias. Calmamente, sem pressa, retirou os óculos e guardou-os no bolso. Empunhou o fuzil. Mais extraordinário ainda é que a Fera, imóvel, o observava, como que obedecendo a um comando. Mirou. Atirou. Acertou o animal no quarto dianteiro. Ele não se mexeu. Mas quando os cães acorreram e saltaram sobre ele, caíu. A Fera, finalmente, estava morta.

Jean Chastel aproximou-se dela e murmurou:

- Fera, não mais devorarás.

E então, enfim, todos puderam dormir em paz.

Voltando ao passado: Informam os documentos da época que em 1762, dois anos antes, portanto, do aparecimento da Fera, havia, naquela região, uma família de amestradores de lobos. Usaram-nos certa ocasião para um assalto a viajantes, ordenando-lhes que os devorassem. Pelo crime foram condenados à forca. Seria Jean Chastel um dos filhos que escapou a tal morte?"

Bernard Alliot, em artigo no jornal francês Le Monde n.° 1738 - ano 1982 - tece comentários sobre a terrível Fera de Gévaudan, ainda viva na memória do povo, partindo dos mesmos documentos da época, que serviram de subsídio ao relato acima. Essa colaboração, intitulada Loup, y est-tu?2 (Lobo, estás aí?) informa que "não há mais lobo. Exterminado, desapareceu o sinistro canis lupus que semeou o terror durante séculos, nos campos . . . Ele é o símbolo do grande devorador; ao lado do Ogre. O terrível lobo de Sarlat3 tinha 42 dentes trinchantes e afilados dos quais 4 em forma de gancho. No século XVIII, Buffon, conhecido por sua serenidade, ressaltou que não há nada de bom nesse animal a não ser a sua pele. Mas Gengis Khan - e isso se compreende - gabava-se de ter um ancestral lobo. Hitler gostava de ser chamado oncle Wolf (tio Lobo).

Na mitologia judaica, o lobo é considerado um animal impuro, uma figura do Maligno. Portanto, não é de surpreender que na imaginação dos povos cristãos surja o Diabo com olhos de brasa...

Os testemunhos de pessoas atacadas, os massacres causados pelas feras, a esperteza e a resistência desses animais, a atitude da Igreja, associando o assalto dos lobos a uma punição divina, além da voz do povo, criaram em torno do animal uma atmosfera de terror e de feitiçaria. O homem introduziu-o em contos e estórias, apossando-se dos seus poderes maléficos. O amestrador de lobos, em troca de um pacto com Satã, detém o poder sobrenatural de comandá-los.

Lobisomens cobrem-se com a pele do animal maldito e perambulam à noite por árduos caminhos. Segundo a crença do povo, essas pessoas, vítimas de feitiçaria, são condenadas a vagar sob a Lua uivando como lobos.

Visando ao equilíbrio natural, ecologistas desejam reintroduzir na França alguns exemplares deste animal desaparecido. Deverão primeiramente, conseguir extrair do conceito popular o terror do lobo, ali fixado por toda uma marcante mitologia."

A autora recebeu, da França, as duas publicações anteriores, a obra L'homme et Le Loup, (O homem e o Lobo), de Daniel Bernard e Daniel Dubois, e o Guide de L'Auvergne Mystérieux (Guia do Auvergne Misterioso), da coleção Guides Noirs (Guias Negros).

Esse volume, de Annette Lauras-Pourrat, apresenta interessante material sobre o Lobisomem, o Loup-garou dos franceses. Isso vem comprovar o interesse que o mito desperta, ainda hoje, pois trata-se de coleção destinada a turistas, sendo cada volume referente às principais curiosidades (de horror) de detèrminada região.

Auvergne é antiquíssima e situa-se no maciço central da França. Relata a História que no ano 52 a.C. foi anexada a Roma. É procurada pelos turistas especialmente pela beleza e imponência de suas vetustas construções acasteladas.

Eis alguns trechos dessa publicação; em tradução informal.

"Há séculos crê-se em Auvergne na existência de homens-lobos,os Lobisomens, com são chamados, ou ainda galipotes. Esses seres não tinham, na verdade, nada de humano e nem mesmo grande coisa de animal. Eram uma espécie de vulto negro quase sem mem bros, vislumbrados à noite, ao longo das sebes e dos muros. Atacavam retardatários, saltavam-lhes às costas e exigiam que se os carregasse.

Segundo se pensava, tratava-se de párias, cuja desgraça os teria levado a fazer um pacto com o Maligno. Na lua cheia viam-se transformados em lobos, e por tal eram tomados, pois revestiam-se da pele do animal, fornecida pelo Diabo. Corriam como quadrúpedes a uma velocidade que homem algum alcançaria. Assim que escurecia, eram acometidos de febre. Saltavam da cama e escapavam pela janela. Seu amo e senhor (o Diabo) estipulava que deviam correr, durante a noite, sete povoados. Soltavam-se pelos campos, em desabalada carreira, prontos para saltar sobre o primeiro caminhante. Nada os atemorizava, nem armas de fogo, a menos que as balas fossem bentas.

Se encontrássemos um Lobisomem, teríamos que feri-lo com faca, ou com pedrada, para tirar-lhe sangue, único meio de fazê-lo retornar à forma humana. Deve-se colocar sempre sob os berços um ramo de avenca; essa elegante folhagem que medra nos velhos muros tem o poder de afastar o Lobisomem.

No seu Discurso sobre as Feiticeiros, Boguet relata que, nos fins do século XVI, numa pequena aldeia de Auvergne, um nobre estava à janela, quando avistou um caçador seu conhecido. Pediu- lhe que, na volta, passasse por ali e lhe mostrasse o que caçara.

Assim foi prometido. Chegando à floresta viu um grande lobo caminhar ao seu encontro. Entraram em luta. O caçador decepou-lhe a pata direita, mas o animal conseguiu escapar. Depois, para honrar a palavra, levou o troféu .ao amigo. Mas, para sua surpresa, ao abrir o alforje, o que apareceu foi mão feminina, com um anel que o nobre reconheceu imediatamente, pois era de sua esposa.

Apressou-se a procurá-la. Encontrou-a junto à lareira, com o braço direito escondido sob um chale. Quando lhe mostrou a mão decepada, a infeliz não teve como negar que havia perseguido o caçador sob a forma de um lobo. O marido entregou-a à justiça e a dama feiticeira foi queimada em Riom."

Ainda no mesmo volume encontra-se trecho, sob o título Dos Lobisomens aos Flammaçons (Franco-maçons).

"A História pouco se ocupou desses homens que não saíam da sombra dos bosques, onde toda a riqueza consistia em uma dúzia de porcos e três vacas, e cujo entretenimento era sangrar um javali ou desalojar uma ninhada de lobos.

Eles corriam, nas noites de lua cheia, ridiculamente mascarados com uma pele de lobo. Ao longo dos séculos, existiram sempre esses homens envolvidos em peles. Dão, sobretudo, o que pensar, os textos que se referem aos Tuchins, durante a Guerra dos Cem Anos. Mataram todos os comerciantes, nobres e padres que puderam apanhar. Ninguém mais ousava sair, a menos que estivesse coberto com uma pele de animal. Essa pele era mais do que uma vestimenta: era algo como um emblema e, acima de tudo, um estado, uma condição. Mas os Tuchins perceberam o estratagema e mataram todos os que não tinham as mãos calosas.

Cogitaria o bando dos homens-lobos restabelecer nas montanhas seu antigo primitivismo? O certo é que foram cometidos muitos horrores antes que essa horda fosse dizimada.

Falava-se de cidades inteiras de feiticeiros, e de amestradores de lobos morando nas montanhas.

Sob a Restauração, como quase toda a burguesia dessas pequenas cidades fazia parte das lojas maçônicas, a imagem da horda misturou-se à da maçonaria.

Haveria ainda, nessa época, banquetes nas florestas? Talvez.

Em todo caso, os velhos assim acreditavam firmemente e indicavam os locais onde fulano e fulano, que eles haviam conhecido bem, tinham perecido, nesses festins à luz dos archotes.



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